sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sarau 29.06 - Discussão sobre o filme "O segredo dos seus olhos"

A pergunta de seus olhos

Aline Fiamenghi


O filme em questão nessa edição é “O Segredo dos Seus Olhos” de Juan José Campanella, maior audiência nos cinemas argentinos em 35 anos. Ricardo Darín interpreta Benjamín Espósito, que aposentado escolhe para tema de seu livro o caso criminal que mais marcou a sua carreira no Tribunal de Buenos Aires. Na organização dos fatos rememorados, ele revê o homicídio investigado em 1975 e termina por repensar as decisões feitas no passado.

Discutiremos a saga do protagonista na busca pela letra do seu desejo. Na oportunidade de escrever o romance de sua vida, ele percebe, em um jogo de espelhos, como os personagens movidos por olhares, intenções e paixões se denunciam.

“Entre o homem e o amor,
Há a mulher.
Entre o homem e a mulher,
Há um mundo.
Entre o homem e o mundo,
Há um muro”

O que mais me impactou no filme foi a questão do impedimento de Espósito. Como se houvesse um muro, quase palpável para o espectador, o protagonista se aliena da sua condição desejante. Essa (im)possibilidade nos traz angustia.

Espósito se apaixona por Irene na primeira vez que a vê, quando ela ocupa o cargo de chefia em seu cabinete. Desde então eles mantém uma relação estreita, e ele é claramente ambivalente em relação a ela. É angustiante a paralisia perante o pedido de amor.

TEMO, é a palavra que acorda nosso protagonista no começo do filme e o faz estranhar-se. O que há nisso? É como ele soubesse, sem saber, que havia algo ali. Na palavra, uma brecha, uma fissura, que o faz movimentar-se. O que há por trás da vontade de escrever o livro? Ele é o autor de que história?

É nesse ponto e com essas perguntas que seguiremos o percurso do bilhete: TEMO.

O remetente seria algo ou alguém em Espósito, ele próprio autor e endereço dessa mensagem. A saga segue no sentido de recuperar a “letra enigma”, a letra “a”, faltante tantas vezes em sua escrita, em sua máquina durante o filme.

A letra que falta, mas está lá o tempo todo, pedindo um leitor, olhos para ler. Talvez essa seja “a pergunta de seus olhos”, nome da novela de Eduardo Sacheri que deu origem ao filme, oportunamente reeditado. Em castelhano e em português esse pronome possessivo não indica gênero, pode ser dele, dela, de outro, ou dos demais. Os olhos circunscrevem um lugar, um campo de experiência, de tensão do não-dito: sua intensidade, sua atmosfera, sua melodia, a espessura do vivido, e assim, denunciam o impedimento, a inibição, a paixão.

Esse é um filme sobre paixão, a de Espósito por Irene, a de Morales por Liliana, a de Sandoval pela bebida, a paixão pelo futebol: “podemos mudar tudo na vida, menos mudar de paixão”. Essa é a pista que ajuda Sandoval e Espósito a capturarem o assassino. Por que não mudamos de paixão? Onde ela nos captura? Na letra a, o buraco.

Espósito se identifica com Morales, que para ele é o homem que realmente ama, ele diz sobre Morales “ele está sempre em um estado de amor puro, posso ver em seus olhos”. Mas o que será esse estado puro, absoluto? Será que tem a ver com amor?

O amor puro só pode ser a morte, a prisão que encarcera o carcereiro junto ao assassino. Já que a justiça não garantiu pena justa a Gomez, Morales resolve fazer justiça, e dá sua medida ao castigo: prende o assassino e o priva de sua palavra. Nessa recusa da palavra o apagamento do sujeito. É como se Morales quisesse negar existência a Gomes, mas não com a morte, com a prisão perpétua da morte em vida, o que é muito pior.

Ao se deparar com a miséria da prisão imposta pela paixão do carcereiro e do assassino, Espósito se depara com a própria prisão-paixão e consegue sair dessa posição. Quando cai a letra, ele pode lê-la, por “mais complicado que possa vir a ser”, ele não se importa mais: de TEMO à TEAMO, o percurso para uma condição desejante.


São Paulo, 29 de Julho de 2010.

Um comentário:

  1. Adorei o texto! Foi uma pena ter perdido a discussão do filme.

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