terça-feira, 29 de maio de 2012

Recolhemos a Rede para estudos e suspendemos os eventos nesse semestre. Mas em breve daremos as caras novamente... Enquanto isso o que estamos estudando? A articulação do gozo e do desejo...

Um trecho de Miller:

"Que queres?, uma vez endereçado ao paciente, convida-o a construir uma vontade, um desejo decidido a construir, a partir de seu desejo, o invariável. O desejo, porém, é uma circulação. É extravagante, errante, inatingível, inverte-se, desfia-se, mostra-se novamente, não é uma vontade. Portanto, a análise impele o sujeito a fazer de seu desejo uma vontade, e, nisso, nesse empuxo-à-vontade, já se insinua a mentira. A análise demanda ao sujeito nomear seu desejo, mas o que se descobre, é que não conseguimos nomeá-lo. Ele é insubmisso à nomeação e não se transforma em vontade. Tudo o que conseguimos cingir e nomear do desejo é um gozo. No lugar do que queres? obtém-se como resposta essencialmente: aqui há gozo. Ou seja, obtém-se uma localização do gozo articulada num dispositivo significante".

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

umLugar - SARAU PERDAS - Ana Lúcia Barbieri, Inês Moura e Juliana Froehlich

O sarau hoje proposto pela psicanalista Ana Barbieri tem uma temática difícil, densa e íntima. As “Perdas” (me refiro ao título do sarau) são vividas, por cada um de nós, de forma muito particular, no entanto, é algo que só o humano experiencia.  Os trabalhos de Inês Moura apresentam títulos, figuras e cores com os quais empatizamos de imediato, por esta dimensão humana muito evidente. 
Vemos nesta série de desenhos um casal; que há muito se uniu e mantém uma relação, um diálogo.  Falo do casal “grafite e papel”, que permanece unido de uma paixão que aconteceu há séculos e, que na arte contemporânea, continua a existir com propriedade. Outro casal é a “tinta e o papel”, combinação mais ousada e mais recente que nos mostra uma linha de tensão, onde algo tão sensível e frágil suporta tal materialidade imponderada. Todavia, isto é garantido pela mão da artista, seu olhar e seu conhecimento da técnica. Indo para além da temática, do motivo, é a materialidade que nos proporciona a tensão do limite, onde termina um e começa o outro, onde está o papel e onde está a tinta ou o grafite.  Essa tensão nos leva a questionar qual é a figura e qual é o fundo.
Nestes trabalhos é possível perceber a permanecia de um material, o papel, aponto para a especificidade deste material, que teoricamente, ou no senso comum seria um suporte ou algo “sobre” o qual se desenha, escreve, pinta, etc. No entanto, nestes trabalhos é o que desenha, é a forma do desenho. O grafite é tão denso, assim como a tinta, que a leveza do papel se sobressai. Esse fundo ou suposto fundo faz parte da figura, ele se faz presente inclusive pela contraposição visual da matéria. E a distribuição do desenho no espaço    que proporciona a inclusão ou a incorporação do papel no desenho.
O entendimento do espaço como uma dimensão temporal e corpórea, ou seja, que só existe quando o habitamos está em evidência, pelo uso do papel.  O espaço imaterial que entendemos por ausência, nesta serie é presença.  É no dialogo dos “casais”, na maneira como o grafite ou a tinta ocupam o papel, que percebemos a existência no espaço.
O espaço, nesta série, é trabalhado como nas instalações da artista, o que comumente se entende por vazio, para Inês se apresenta como matéria, com material, como presença. Seu trabalho está nas sutilezas, no íntimo, no habitar do espaço.

Juliana Froehlich - Julho 2011
      
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Força expressa pelo traço e pelo antagonismo entre o preto e o branco. As delicadezas do cinza e das flores... Sem dúvida, grande impacto.
O que impacta a cada um, pertence à experiência própria, vivida sempre de forma tão singular.
Com o olhar atento, lentamente, cada desenho revela algo sutil que contrapõe o traço marcado, rasurado. É de uma beleza doída. 
Ao entrar em contato com a série “O Casal”, da artista Inês Moura, não pude deixar de pensar no encontro de uns e outros, em perdas e em luto.
 Encontros vitais, severamente articulados a desencontros tão arbitrários quanto repletos de justeza, desde o início da jornada, forçam a cada um a se constituir e a se movimentar.
A primeira relação que se estabelece entre um ser humano recém-chegado ao mundo dos humanos e os humanos é indelével como marcas desta constituição e advém da relação materna, mais especificamente, com alguém que faça essa função, aquela ou aquele que gesta a cifra de nossa experiência de corpo próprio. Esta relação produz no bebê marcas sucessivas, que constroem a base das identificações.
 Esta relação é de tal importância, pois é o que possibilita uma organização psíquica e funda o inconsciente, constituindo o sujeito a partir de umLugar.
Paulatinamente, as palavras que designam tal nova existência esculpem um contorno para o corpo, a inscrição de uma imago que viabilizará, pela inclusão própria no campo dos falantes, umLugar para o candidato a vida advir.
Para Freud (1921) “a identificação é conhecida (pela psicanálise) como a mais remota expressão emocional com outra pessoa”. Podemos dizer, então, que se trata de um laço vital para a nossa existência.
A relação com o outro nos marca desde o inicio de nossas vidas, é o que nos constitui, mas que por vezes, nos aterroriza. De inicio, se nem mesmo podemos discernir a existência de um outro... Quando esta se faz passível de ser considerada, nos coloca diante de, talvez, a mais difícil característica de nossa condição, a saber, a de ser mortal.
No momento em que nos percebemos como partícipes de uma relação, a possibilidade de que o outro nos falte se abre.
A frustração da continuidade narcísica por um lado, instala a presença do outro, mas ao mesmo tempo implica a possibilidade da perda, de que o outro falte. Ser em falta também é a condição daquele outro primordial, que nos falou e nos deu contorno.
Ao perceber isto, teremos feito todo possível para agradar a este outro, que na maior parte das vezes chamamos mãe, em satisfazê-la para obter seu amor e, assim, crer-se completo. Esta a quem completaríamos, para que nos completasse em troca, diante do imponderável limite que atinge a todos, oferta as condições que farão desta impossibilidade uma condição de ser faltante, desejante.
A busca pela completude nunca cessa e esta condição humana impinge ao sujeito que busque no mundo externo algo que o complete, lançando-o às outras relações, além daquela dada pela função materna.
A experiência da falta, embora seja uma constante, é muito mal admitida. Comunica-se com idéias de limite e morte, por mais que sejam elementos que engendram a vida... As flores...
Esta falta, insisto, inerente ao ser humano, poderá, em muitas situações, ser vivenciada como falha, gerando culpas infindáveis... É a insistência na expectativa e tentativa de ser tudo para o outro e assim obter a própria completude.
O que ocorre, então, quando o outro nos falta, por morte ou algum outro tipo de perda?
Muitos acontecimentos da vida ditam separações e ausências, que são sentidas quando há um elo afetivo de ligação.
Mas estas perdas exigem realização, trabalho anímico.
É instalado o processo de luto. O objeto não existe mais conforme mostra a realidade e o eu irá voltar toda sua energia para si, retirando-se do mundo externo.
Isto se faz às duras penas, com muito sofrimento. Ao encerrar o trabalho do luto, o eu fica livre de toda inibição, se desliga do objeto perdido e pode, então, apropriar-se das representações deste objeto, ficando com suas lembranças.
Aqui encontramos um paralelo entre os desenhos apresentados e a experiência de uma análise pessoal.  
As produções artísticas são vistas como uma via de elaboração de perdas e lutos. A arte está justamente na condição de buscar apoio em objetos e circunstâncias reais, transformando-os em fantasias, através dos afetos. Assim, somos afetados pela produção artística, pelos “efeitos emotivos que suas criações despertam” (Freud, 1908).
A vida se faz assim, um constante jogo de perdas, em que nos deparamos com a falta, por vezes de forma trágica. A cada perda somos frustrados, privados e castrados e podemos lidar com isto através da arte ou do sintoma, como se fosse uma doença.
A psicanálise pode ser incluída neste contexto humano como uma possibilidade de lidar com as perdas, frustrações, com os limites.
É uma via de elaboração de nossos lutos, através de um processo singular e único a cada um, a cada vez.
Mas Freud já havia dito, o artista já esteve lá...
Assim, sobre um cadáver, podem nascer as flores.

Ana Lúcia Barbieri - Julho 2011


Fotos do Sarau Perdas 31/7/11































domingo, 24 de julho de 2011

Considerações Sobre o Impossível

                                                                                                                                    Aline Fiamenghi


Existem coisas que não saem da nossa cabeça, insistem, permanecem, estão por toda a parte, em tudo que vemos, elas nos perseguem, não nos deixam em paz. Tenho a algum tempo, re-encontrado uma palavra: impossível. Dizem que o que não cessa de escrever-se é da ordem da necessidade, e acho que é isso mesmo.

Em português im é um prefixo de negação. Contudo, toda palavra que nega o sentido original parece carregar um paradoxo: falar de algo para falar do que não é. Em inglês in é um tanto genérico, cabe para muitas coisas, mas muito frequentemente significa dentro. Não é o caso de impossible... Mas em uma brincadeira de línguas encontrei o in-possível: estar no possível, ou estar na borda do que é possível.

Slavoj Žižek aponta que o Real não é impossível, como estamos a costumados a pensar, como algo que sempre escapa, mas que o impossível é Real, no sentido que ele acontece. A questão é que o Real acontece, esse é o trauma, isso que é difícil de aceitar ou suportar.

 A falta ou o excesso, o que resta do que é possível simbolizar é o Real. O Real é uma ficção. Segundo aquele autor, a impossibilidade não resulta de um obstáculo positivo, mas é puramente intrínseca: a impossibilidade é produzida como a própria condição do espaço simbólico. Esse é o supremo paradoxo do Real. Não podemos ter tudo, não porque aja algo se opondo, mas porque esse impedimento é estruturalmente intrínseco.

Aqui não posso deixar de lembrar do Anjo Exterminador de Buñuel. Ficamos o tempo todo querendo saber o que impede os personagens de sairem da casa, na expectativa que o mistério seja revelado. Mas esse algo, ou isso, como Freud postulou, que parecia ser da ordem do impedimento, foi produzindo efeitos, foi se revelando sem motivo, mas não sem sentido, ou direção: a porta “fechada”. Não havia uma explicação, mas a sensação de que algo muito real se impunha. Até que algo acontece, também sem explicação, e então cai esse impedimento, e enfim aquelas pessoas já degradadas por sua demasiada humanidade, podem sair. O Real não fica do lado de fora da porta, não é impossível.

Nada melhor do que um filme surreal para tentar falar do isso...

Um outro autor, Jacques-Allain Miller, apresenta o Real como o que cessa de ser impossível, é contingente. Fala do modo de surpresa através do qual o inconsciente se manifesta, na fantasia, no lapso, no sonho.

Pensando sobre isso, senti necessidade de  investigar isso no corpo, por meio da improvisação em dança e tão logo comecei, mais um paradoxo: não seria a dança a própria possibilidade de achar caminhos para situações impossíveis de movimento? O corpo sempre acha um caminho desconhecido, abre novas conexões, invoca outros apoios, oxigena os espaços internos. Com o tempo, todo o movimento foi dando espaço para um estado, que chamei de nheca.

Chamo de nheca um estado, que não é só corporal, é algo que plasma, que gruda, que imobiliza. No corpo aparece como a pausa, o peso, a gravidade e uma certa resistência. O peso de todos os ossos, os orgãos, os tecidos escorrendo para baixo. Sempre para baixo. O que há para além do chão?

Essa pesquisa segue e não pretende achar respostas e sim configurar um campo de experiência. Aponta uma travessia por um território nada agradável, muitas vezes insuportável. Essa experiência corporal e as ideias que a sustentam serão apresentadas no Sarau do umLugar em agosto. São todos convidados!

segunda-feira, 11 de julho de 2011

SARAU "PERDAS" - 31/7/11 - 17 horas

Pequena introdução à psicanálise

Por Alexandre Holtmann Pastore

Uma das perguntas mais freqüentes que se faz a um psicanalista, e cuja resposta não é exatamente simples, refere-se ao “o que”. Ou seja, o que é a psicanálise?

Vou tentar responder isso de uma forma menos técnica, porque ela (a técnica) acaba redundando em mais dúvidas para quem é leigo no assunto, quando uma das maiores conquistas da psicanálise, senão SUA MAIOR E MAIS RELEVANTE CONQUISTA, é dar um lugar para o sofrimento humano. Portanto, já começando a simplificar, a análise é uma forma de terapia, que visa o alívio do sofrimento daqueles que procuram esse caminho, ou essa abordagem terapêutica.

As coisas não podem permanecer tão simples, nesse ponto, e tenho que dizer que a análise tem, em comum com outras abordagens terapêuticas, apenas a intenção de promover uma forma de “cura” das situações de sofrimento. As coincidências, contudo, param por aí, exatamente quando começam a ser necessárias algumas explicações, ou antes, esclarecimentos, porque não estamos falando de algo misterioso ou inacessível, mas sim de uma visão singular e muito própria da abordagem analítica. Trocando em miúdos, a análise enxerga e trata como sintomas o que outras disciplinas costumam abordar como “o problema em si”. Quando a psiquiatria, por exemplo, classifica e trata um “quadro depressivo”, a análise busca desvelar as origens desse sofrimento, analisando seus caminhos e pesquisando suas dimensões não explícitas.

Podemos exemplificar esse tipo de situação de uma maneira simples: “suponhamos uma pessoa que tenha um animal de estimação. Ela tem grande amor por esse animal (aqueles que têm seus “pets” sabem bem do que estou falando!). Elas criam muitos vínculos com seus “amigos de outras espécies”. Vamos supor um caso específico em que esse vínculo afetivo possa estar “encobrindo” ou “tirando do primeiro plano” uma outra falta: uma ausência familiar, uma infância com poucas coisas boas a lembrar, a distância ou a falta de uma pessoa amada. Sabemos ainda que um dos problemas das relações com nossos amigos “peludos” é que eles, geralmente, vivem muito menos do que nós. E um dia, seguindo a ordem natural das coisas, perdemos nosso amigo do peito! A pergunta que cabe aqui, analiticamente falando (lembrem-se de que estamos falando de uma situação simples, mas absolutamente possível) é: “Quantas dores choramos ao sofrer pela perda desse amigo?”A resposta mais objetiva é: tantas quantos caminhos nossos afetos tenham percorrido e simbolizado nesse amigo que se foi. E quantos apelos esse amor que nos foi dedicado pode evocar? A constância, a lealdade, a fidelidade, o “para sempre”, o incondicional. Quantos vazios e quantas carências podem estar inseridos nessa perda e nesse “amor”? E quanto se perde quando ele se vai?”

Esse tipo de pergunta não tem resposta universal, nem única, nem visível ou direta. Pessoas são seres únicos, com histórias únicas, com amores únicos, com reações que nos diferenciam, que nos tornam singulares e distintos diante do mundo, dos fatos, das “coisas da vida”. E as produções e sintomas criados pelo curso singular e próprio, nesse rio encravado nas almas de cada indivíduo é a parte do mistério, das dores e dos sofrimentos que a análise procura desvelar.

O curso de uma abordagem analítica é o de perseguir o que não está à vista, o que não foi dito, o que não foi possível de perceber ou entender. Os sintomas são a conseqüência que se produz quando as emoções não ganham o acesso à ação ou à palavra, e aquilo que “desaparece” quando se promove esse encontro com o que foi “preciso” esquecer.

Quem já passou por uma análise pode atestar que, em certo sentido, o caminho de uma análise é auto-explicativo. Cada indivíduo que atravessa o curso de uma análise pessoal acaba por entender muito da sua própria dinâmica psíquica, e ganha a condição de se perceber em seus desejos, sofrimentos e sintomas a partir de uma nova perspectiva.

Esse é um convite que se pode fazer a quem passa por uma situação difícil, que se sente sofrendo e quer “se livrar” desse sofrimento. A análise é uma via real, uma oferta de escuta do singular e de apropriação de um espaço que foi perdido durante a jornada, mas que pede passagem na forma de sintomas e sofrimento.

Longe de esgotar esse assunto, que como eu comecei dizendo, está longe de ser simples, gostaria de inaugurá-lo, como um convite a uma segunda olhada, a uma atenção especial e uma consideração muito importante àqueles que estiverem em busca de um lugar para sua dor.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Sarau umLugar - O Mistério da dor de amar - Isana Marília Ribeiro

Como todo mistério, somos compelidos a querer saber ou a nem querer saber do que quer que seja, no caso, sobre o amor. Como Ulisses, que se amarrou –vejam, não é que ele tenha sido amarrado, ele SE AMARROU- ao mastro do navio para que o canto das sereias – e vejam também, as sereias não cessaram de cantar- não o capturassem, não o siderassem, como ocorreu, e cá estamos.
Se todo amor decorre de um equívoco, é importante se equivocar ou arcar com o estado do desenganado. O desenganado está ali, mas morto. Nada mais do que ainda não houve, pode haver, nem mesmo haverá.
Mas há. 
...  E isso atordoa. Ator-doa? Dói e é sobre isso que estamos a falar..
Do ator e da dor, quando dois se encontram é porque em algo puderam se enganar.
Mas, quando se está triste pelo desencontro, que desse encontro pode seguir, pouco se pronuncia uma palavra, um olhar nos faz notar de como não se quer mais investir na relação..., e o eu, de repente, numa noite que poderia ser prazerosa desiste de um jantar e de uma idéia de “nós dois”, em menos de dez minutos.
 Mudos e sem saber o que falar, não é possível querer ver o rosto e estar espantada com o outro, por vezes, capaz de tanta serenidade e alívio. 
 Há algum tempo, era possível sentir o que é estar junto ou separado, - estado de paixão e luto - preparação para o amor e a dor ao mesmo tempo, como aqueles que confundem isso com maturidade.
Freud diz: “Nunca estamos tão mal protegidos contra o sofrimento como quando amamos, nunca estamos tão irremediavelmente infelizes como quando perdemos a pessoa amada ou o seu amor”.
Mas nosso desamparo não é de onde partimos para a jornada da vida humana, assim como, de expectativas; como será possível um “eu” encontrar um “outro eu” que nos ampare?
Por sorte, nos diferentes momentos deste percurso, encontramos aqueles que primordialmente nos emprestam o simbólico e, até mesmo, seus narcisismos, para constituirmos nosso acervo de ilusões necessárias para enfrentar, numa segunda volta, o que retornará em todos os desencontros com os outros - e com a idéia de vida eterna - que fazem parte da empreitada de todos aqueles que vieram a apostar na vida e puderam, portanto, se deixar enganar pelas vias do amor. Desses encontros e desencontros restam beijos, risadas, algumas vezes filhos, testemunhos mútuos de momentos significativos, muitas vezes nada fáceis. 
E como podemos crer que tal questão, que diz respeito antes a falta, como condição de nossa existência, do que como falha ou carência, poderia ser encerrada pela correspondência amorosa pela qual foi fundamental nos deixarmos enganar na vivência amorosa? 
                           Você não ligaria no dia seguinte, era domingo. O combinado era jantarmos fora naquela noite, parece um século, foi ontem. Decidi seguir a rotina: o que eu fazia aos domingos de manhã? Eu caminhava, então caminharei, falta você e não falta, o atordoamento está diminuindo, será que eu já percebo o acidente? Dou uma, duas, três voltas no parque, você não virá aqui me ver? Volto. Telefono para alguns amigos, não telefono pra você, conto que o relacionamento acabou lamentam mais ou menos, digo que agora é pra valer, quem me acredita?Agora não tem mais volta – dei três voltas no parque, é muito ruim caminhar pra lugar nenhum. Voltei a dizer aos amigos, acabou de verdade, não é isso que quero pra mim, do outro lado da linha acreditava que meus amigos sentiam e entendiam minha do
A dor, quando aparece, vem como um sinal incontestado da passagem de uma prova. Mas que prova? A prova de uma separação. Da singular separação de um objeto que deixando-nos súbita e definitivamente nos transtorna, mas é também o que pode nos obrigar a reconstruir-nos.
Certamente as pessoas choram diferentemente uma das outras. Mas é possível perguntarmos como é difícil perder laços que pra continuar exigiriam suportar o que já vinha parecendo ser insuportável? O insuportável é uma medida que nunca parece ter limite, então se chora. Abandonar uma vida que não se fará mais, sofrer a própria despedida, ter que renascer e buscar um sentido e significado pra tudo que estava acontecendo. Significado? Significantes? 
São lutos sobrepostos: o daquilo que foi possível viver, o das idealizações daquilo que se acreditou estarem vivendo na condição de casal apaixonado ou que viriam a viver... E tudo nas costas do objeto amado que se declara diferente. Mas o luto não é só perda, é também apropriação de algo próprio e exercício de castração. 
Freud diz que o amor consiste em supor o ideal de si mesmo no outro, sendo, portanto, a gênese do enamoramento essencialmente narcísico.
Em 1914, na sua Introdução ao Narcisismo, propõe as idéias de amor objetal e o narcisismo, através dos conceitos de libido de objeto e libido do eu. Assim, assinala a busca da imortalidade do eu, através de uma complementaridade ilusória, efemeramente conseguida pelos apaixonados. É criada, então, uma imagem ideal, tanto de si como de seu objeto amoroso, que vem justamente completar o que falta ao eu para chegar a esse ideal sonhado. Por isso é dito que se ama no outro o que supostamente falta em si.
Na paixão amorosa, visa-se a fusão com um outro como uma tentativa de resgate da relação originária com o outro Primordial - vínculo este marcado pela sensação imaginária de onipotência e plenitude - relação mãe-bebê.
O véu se interpõe na relação sujeito – outro, velando o vazio, a falta que constitui também o outro.
Na fantasia do apaixonado, temos um sujeito aprisionado à imagem de onipotência do eu ideal, angustiado com o esforço ferrenho e ilusório de tamponar a castração, estando assim à deriva constante deste reencontro fatídico.
Paixão amorosa se sustenta numa fantasia de completude de gozo.
Diante do transtorno pulsional introduzido pela perda do objeto amado, o eu apela para todas as forças e se concentra num único ponto: o da representação psíquica do amado perdido. O eu fica inteiramente ocupado em manter viva a imagem mental do desaparecido, como se ele se obstinasse em querer compensar a ausência real do perdido. O eu se confunde, quase totalmente, com essa imagem soberana e só vive amando, e por vezes odiando a representação gráfica desse outro desaparecido, deixando-se, assim, incapaz de interessar-se pelo mundo exterior.
Será que em algum momento um amor deixa de ser nosso, mesmo tendo acabado pra sempre?
Claro que é excelente ter com quem compartilhar nosso erotismo, desejos e gargalhadas; porém, com a condição de incompletude, ao nos depararmos com a perda da pessoa amada, podemos fazer aí, um lugar de elaboração da nossa relação com a castração.
O amante é aquele que demanda, confessando que algo lhe falta e, na esperança de encontrar o outro reparador, nutre uma expectativa de completude e plenitude, evitando, assim, confrontar-se com o vazio de sua condição.
Essa expectativa aparece no amor de várias maneiras sendo a paixão seu motor principal. A idealização, que rege o amor, não é nada tênue, mas podemos admitir que venha sustentar-se na alteridade, falhas, diferenças, faltas, limites do outro e de si próprio.
O problema, do que faz laço entre, nós tem a ver com a questão da troca, que é organizado segundo o princípio do prejuízo. Hoje em dia, as pessoas se casam exigindo a felicidade e, assim, é exigido que o escolhido seja o verdadeiro e único objeto da satisfação do desejo.
A fisiologia do desejo é de sempre desejar outra coisa. Com o desejo fixado no objeto, fica difícil conhecer suas potencialidades e suas outras possibilidades, tornado assim o objeto escolhido persecutório. É comum, também, fazer de seu parceiro o portador de suas próprias dificuldades.
O parceiro que escolhemos existe duplamente em nós: por um lado fora, sob a espécie de um indivíduo vivo no mundo, e por outro em nós, sob a espécie de uma presença fantasmática  articulada ao fluxo imperioso do desejo e  estrutura a ordem inconsciente. É a fantasia que domina todos os nossos comportamentos, a maioria do nosso julgamento e o conjunto dos sentimentos que experimentamos em relação ao amado.
Não sofremos outra dor, se não a dor do desaparecimento daquele que foi para mim o que eu fui pra ela: o eleito fantasiado.
É importante considerarmos no laço a trama quanto ao comprometimento da posição de sujeito, ou seja, a forma de se inscrever no Outro; de ali ter um lugar e de quantas possibilidades podem se apresentar aí para uma posição subjetiva.
O Amor, assim como o ódio e a ignorância, é uma propriedade inerente, misteriosa da condição humana, é Pathos humano que se aloja como o mais nobre sentimento.
Mas, ironicamente, o campo amoroso é o campo da falta, da incompletude,  porque ao reincidir na busca da cura da ferida narcísica original, nos convoca a encontrar um modo próprio de admitir e fazer com esta falta .
Temos que entender o amor como algo produzido. É importante fazermos de uma experiência amorosa uma experiência de potência de expansão advinda de um encontro dos corpos, desde que esse encontro esteja baseado na diferença, sem formato, sem ferramentas de antemão, que nos convoque a uma ultrapassagem de nós mesmos.
 Pensarmos na ideia de amor como sinônimo de felicidade ou de bem-estar, de qualidade de vida, é crer que o que nos causa mal estar e tristeza, é produzido por aquilo que é possível realizar com o objeto.  Quanto maior a expectativa, menos chances delas se concretizarem, isto é, da ordem da cultura que tem a função de produzir asujeitamento, formando pessoas chatas, repetitivas, lamurientas afetadas pela questão amorosa.
 A felicidade não é garantida pela existência de um objeto amado, nem por uma relação amorosa, mas pode fazer parte a depender do que cada um faz disso. É importante passarmos a pensar no amor como produção - pertinente à ordem da experiência de transformação -, como gesto de partilha do cotidiano em relação ao outro, jamais como completude. Amar remete a peças que não se encaixam, mas que se estranham, se transformam e se expandem.
O trabalho da vida é exigido pela aposta da diferença e na expansão, só atingimos a expansão na diferença.
Com nossos avós e pais, a experiência amorosa era admitida como sendo da ordem da paciência, do engolir sapo e da espera. Hoje, não existimos dessa maneira.
Vivemos um momento em que a solidão está começando a adoecer a todos de outra maneira. Estamos nos tornando desqualificados na experiência amorosa. A questão engloba, na verdade, o fato de que nada temos que resgatar, pois não devemos viver o amor como falta, como uma experiência de insatisfação. O pacto amoroso fundamental é quando você pode ter um parceiro na aventura da diferença que nos provoca inevitavelmente: O Mistério da dor de Amar.
Agora, pergunto a vocês, como está a experiência amorosa, hoje, de cada um de nós?
      
                                                                  Isana Marília Ribeiro - 2011