quarta-feira, 23 de março de 2011

Sarau umLugar - O Mistério da dor de amar - Isana Marília Ribeiro

Como todo mistério, somos compelidos a querer saber ou a nem querer saber do que quer que seja, no caso, sobre o amor. Como Ulisses, que se amarrou –vejam, não é que ele tenha sido amarrado, ele SE AMARROU- ao mastro do navio para que o canto das sereias – e vejam também, as sereias não cessaram de cantar- não o capturassem, não o siderassem, como ocorreu, e cá estamos.
Se todo amor decorre de um equívoco, é importante se equivocar ou arcar com o estado do desenganado. O desenganado está ali, mas morto. Nada mais do que ainda não houve, pode haver, nem mesmo haverá.
Mas há. 
...  E isso atordoa. Ator-doa? Dói e é sobre isso que estamos a falar..
Do ator e da dor, quando dois se encontram é porque em algo puderam se enganar.
Mas, quando se está triste pelo desencontro, que desse encontro pode seguir, pouco se pronuncia uma palavra, um olhar nos faz notar de como não se quer mais investir na relação..., e o eu, de repente, numa noite que poderia ser prazerosa desiste de um jantar e de uma idéia de “nós dois”, em menos de dez minutos.
 Mudos e sem saber o que falar, não é possível querer ver o rosto e estar espantada com o outro, por vezes, capaz de tanta serenidade e alívio. 
 Há algum tempo, era possível sentir o que é estar junto ou separado, - estado de paixão e luto - preparação para o amor e a dor ao mesmo tempo, como aqueles que confundem isso com maturidade.
Freud diz: “Nunca estamos tão mal protegidos contra o sofrimento como quando amamos, nunca estamos tão irremediavelmente infelizes como quando perdemos a pessoa amada ou o seu amor”.
Mas nosso desamparo não é de onde partimos para a jornada da vida humana, assim como, de expectativas; como será possível um “eu” encontrar um “outro eu” que nos ampare?
Por sorte, nos diferentes momentos deste percurso, encontramos aqueles que primordialmente nos emprestam o simbólico e, até mesmo, seus narcisismos, para constituirmos nosso acervo de ilusões necessárias para enfrentar, numa segunda volta, o que retornará em todos os desencontros com os outros - e com a idéia de vida eterna - que fazem parte da empreitada de todos aqueles que vieram a apostar na vida e puderam, portanto, se deixar enganar pelas vias do amor. Desses encontros e desencontros restam beijos, risadas, algumas vezes filhos, testemunhos mútuos de momentos significativos, muitas vezes nada fáceis. 
E como podemos crer que tal questão, que diz respeito antes a falta, como condição de nossa existência, do que como falha ou carência, poderia ser encerrada pela correspondência amorosa pela qual foi fundamental nos deixarmos enganar na vivência amorosa? 
                           Você não ligaria no dia seguinte, era domingo. O combinado era jantarmos fora naquela noite, parece um século, foi ontem. Decidi seguir a rotina: o que eu fazia aos domingos de manhã? Eu caminhava, então caminharei, falta você e não falta, o atordoamento está diminuindo, será que eu já percebo o acidente? Dou uma, duas, três voltas no parque, você não virá aqui me ver? Volto. Telefono para alguns amigos, não telefono pra você, conto que o relacionamento acabou lamentam mais ou menos, digo que agora é pra valer, quem me acredita?Agora não tem mais volta – dei três voltas no parque, é muito ruim caminhar pra lugar nenhum. Voltei a dizer aos amigos, acabou de verdade, não é isso que quero pra mim, do outro lado da linha acreditava que meus amigos sentiam e entendiam minha do
A dor, quando aparece, vem como um sinal incontestado da passagem de uma prova. Mas que prova? A prova de uma separação. Da singular separação de um objeto que deixando-nos súbita e definitivamente nos transtorna, mas é também o que pode nos obrigar a reconstruir-nos.
Certamente as pessoas choram diferentemente uma das outras. Mas é possível perguntarmos como é difícil perder laços que pra continuar exigiriam suportar o que já vinha parecendo ser insuportável? O insuportável é uma medida que nunca parece ter limite, então se chora. Abandonar uma vida que não se fará mais, sofrer a própria despedida, ter que renascer e buscar um sentido e significado pra tudo que estava acontecendo. Significado? Significantes? 
São lutos sobrepostos: o daquilo que foi possível viver, o das idealizações daquilo que se acreditou estarem vivendo na condição de casal apaixonado ou que viriam a viver... E tudo nas costas do objeto amado que se declara diferente. Mas o luto não é só perda, é também apropriação de algo próprio e exercício de castração. 
Freud diz que o amor consiste em supor o ideal de si mesmo no outro, sendo, portanto, a gênese do enamoramento essencialmente narcísico.
Em 1914, na sua Introdução ao Narcisismo, propõe as idéias de amor objetal e o narcisismo, através dos conceitos de libido de objeto e libido do eu. Assim, assinala a busca da imortalidade do eu, através de uma complementaridade ilusória, efemeramente conseguida pelos apaixonados. É criada, então, uma imagem ideal, tanto de si como de seu objeto amoroso, que vem justamente completar o que falta ao eu para chegar a esse ideal sonhado. Por isso é dito que se ama no outro o que supostamente falta em si.
Na paixão amorosa, visa-se a fusão com um outro como uma tentativa de resgate da relação originária com o outro Primordial - vínculo este marcado pela sensação imaginária de onipotência e plenitude - relação mãe-bebê.
O véu se interpõe na relação sujeito – outro, velando o vazio, a falta que constitui também o outro.
Na fantasia do apaixonado, temos um sujeito aprisionado à imagem de onipotência do eu ideal, angustiado com o esforço ferrenho e ilusório de tamponar a castração, estando assim à deriva constante deste reencontro fatídico.
Paixão amorosa se sustenta numa fantasia de completude de gozo.
Diante do transtorno pulsional introduzido pela perda do objeto amado, o eu apela para todas as forças e se concentra num único ponto: o da representação psíquica do amado perdido. O eu fica inteiramente ocupado em manter viva a imagem mental do desaparecido, como se ele se obstinasse em querer compensar a ausência real do perdido. O eu se confunde, quase totalmente, com essa imagem soberana e só vive amando, e por vezes odiando a representação gráfica desse outro desaparecido, deixando-se, assim, incapaz de interessar-se pelo mundo exterior.
Será que em algum momento um amor deixa de ser nosso, mesmo tendo acabado pra sempre?
Claro que é excelente ter com quem compartilhar nosso erotismo, desejos e gargalhadas; porém, com a condição de incompletude, ao nos depararmos com a perda da pessoa amada, podemos fazer aí, um lugar de elaboração da nossa relação com a castração.
O amante é aquele que demanda, confessando que algo lhe falta e, na esperança de encontrar o outro reparador, nutre uma expectativa de completude e plenitude, evitando, assim, confrontar-se com o vazio de sua condição.
Essa expectativa aparece no amor de várias maneiras sendo a paixão seu motor principal. A idealização, que rege o amor, não é nada tênue, mas podemos admitir que venha sustentar-se na alteridade, falhas, diferenças, faltas, limites do outro e de si próprio.
O problema, do que faz laço entre, nós tem a ver com a questão da troca, que é organizado segundo o princípio do prejuízo. Hoje em dia, as pessoas se casam exigindo a felicidade e, assim, é exigido que o escolhido seja o verdadeiro e único objeto da satisfação do desejo.
A fisiologia do desejo é de sempre desejar outra coisa. Com o desejo fixado no objeto, fica difícil conhecer suas potencialidades e suas outras possibilidades, tornado assim o objeto escolhido persecutório. É comum, também, fazer de seu parceiro o portador de suas próprias dificuldades.
O parceiro que escolhemos existe duplamente em nós: por um lado fora, sob a espécie de um indivíduo vivo no mundo, e por outro em nós, sob a espécie de uma presença fantasmática  articulada ao fluxo imperioso do desejo e  estrutura a ordem inconsciente. É a fantasia que domina todos os nossos comportamentos, a maioria do nosso julgamento e o conjunto dos sentimentos que experimentamos em relação ao amado.
Não sofremos outra dor, se não a dor do desaparecimento daquele que foi para mim o que eu fui pra ela: o eleito fantasiado.
É importante considerarmos no laço a trama quanto ao comprometimento da posição de sujeito, ou seja, a forma de se inscrever no Outro; de ali ter um lugar e de quantas possibilidades podem se apresentar aí para uma posição subjetiva.
O Amor, assim como o ódio e a ignorância, é uma propriedade inerente, misteriosa da condição humana, é Pathos humano que se aloja como o mais nobre sentimento.
Mas, ironicamente, o campo amoroso é o campo da falta, da incompletude,  porque ao reincidir na busca da cura da ferida narcísica original, nos convoca a encontrar um modo próprio de admitir e fazer com esta falta .
Temos que entender o amor como algo produzido. É importante fazermos de uma experiência amorosa uma experiência de potência de expansão advinda de um encontro dos corpos, desde que esse encontro esteja baseado na diferença, sem formato, sem ferramentas de antemão, que nos convoque a uma ultrapassagem de nós mesmos.
 Pensarmos na ideia de amor como sinônimo de felicidade ou de bem-estar, de qualidade de vida, é crer que o que nos causa mal estar e tristeza, é produzido por aquilo que é possível realizar com o objeto.  Quanto maior a expectativa, menos chances delas se concretizarem, isto é, da ordem da cultura que tem a função de produzir asujeitamento, formando pessoas chatas, repetitivas, lamurientas afetadas pela questão amorosa.
 A felicidade não é garantida pela existência de um objeto amado, nem por uma relação amorosa, mas pode fazer parte a depender do que cada um faz disso. É importante passarmos a pensar no amor como produção - pertinente à ordem da experiência de transformação -, como gesto de partilha do cotidiano em relação ao outro, jamais como completude. Amar remete a peças que não se encaixam, mas que se estranham, se transformam e se expandem.
O trabalho da vida é exigido pela aposta da diferença e na expansão, só atingimos a expansão na diferença.
Com nossos avós e pais, a experiência amorosa era admitida como sendo da ordem da paciência, do engolir sapo e da espera. Hoje, não existimos dessa maneira.
Vivemos um momento em que a solidão está começando a adoecer a todos de outra maneira. Estamos nos tornando desqualificados na experiência amorosa. A questão engloba, na verdade, o fato de que nada temos que resgatar, pois não devemos viver o amor como falta, como uma experiência de insatisfação. O pacto amoroso fundamental é quando você pode ter um parceiro na aventura da diferença que nos provoca inevitavelmente: O Mistério da dor de Amar.
Agora, pergunto a vocês, como está a experiência amorosa, hoje, de cada um de nós?
      
                                                                  Isana Marília Ribeiro - 2011

Um comentário:

  1. Comentário sobre o texto: http://www.mapfremulher.com.br/filosofia-e-atualidades/eu-tu-eles/

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