sexta-feira, 5 de agosto de 2011

umLugar - SARAU PERDAS - Ana Lúcia Barbieri, Inês Moura e Juliana Froehlich

O sarau hoje proposto pela psicanalista Ana Barbieri tem uma temática difícil, densa e íntima. As “Perdas” (me refiro ao título do sarau) são vividas, por cada um de nós, de forma muito particular, no entanto, é algo que só o humano experiencia.  Os trabalhos de Inês Moura apresentam títulos, figuras e cores com os quais empatizamos de imediato, por esta dimensão humana muito evidente. 
Vemos nesta série de desenhos um casal; que há muito se uniu e mantém uma relação, um diálogo.  Falo do casal “grafite e papel”, que permanece unido de uma paixão que aconteceu há séculos e, que na arte contemporânea, continua a existir com propriedade. Outro casal é a “tinta e o papel”, combinação mais ousada e mais recente que nos mostra uma linha de tensão, onde algo tão sensível e frágil suporta tal materialidade imponderada. Todavia, isto é garantido pela mão da artista, seu olhar e seu conhecimento da técnica. Indo para além da temática, do motivo, é a materialidade que nos proporciona a tensão do limite, onde termina um e começa o outro, onde está o papel e onde está a tinta ou o grafite.  Essa tensão nos leva a questionar qual é a figura e qual é o fundo.
Nestes trabalhos é possível perceber a permanecia de um material, o papel, aponto para a especificidade deste material, que teoricamente, ou no senso comum seria um suporte ou algo “sobre” o qual se desenha, escreve, pinta, etc. No entanto, nestes trabalhos é o que desenha, é a forma do desenho. O grafite é tão denso, assim como a tinta, que a leveza do papel se sobressai. Esse fundo ou suposto fundo faz parte da figura, ele se faz presente inclusive pela contraposição visual da matéria. E a distribuição do desenho no espaço    que proporciona a inclusão ou a incorporação do papel no desenho.
O entendimento do espaço como uma dimensão temporal e corpórea, ou seja, que só existe quando o habitamos está em evidência, pelo uso do papel.  O espaço imaterial que entendemos por ausência, nesta serie é presença.  É no dialogo dos “casais”, na maneira como o grafite ou a tinta ocupam o papel, que percebemos a existência no espaço.
O espaço, nesta série, é trabalhado como nas instalações da artista, o que comumente se entende por vazio, para Inês se apresenta como matéria, com material, como presença. Seu trabalho está nas sutilezas, no íntimo, no habitar do espaço.

Juliana Froehlich - Julho 2011
      
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Força expressa pelo traço e pelo antagonismo entre o preto e o branco. As delicadezas do cinza e das flores... Sem dúvida, grande impacto.
O que impacta a cada um, pertence à experiência própria, vivida sempre de forma tão singular.
Com o olhar atento, lentamente, cada desenho revela algo sutil que contrapõe o traço marcado, rasurado. É de uma beleza doída. 
Ao entrar em contato com a série “O Casal”, da artista Inês Moura, não pude deixar de pensar no encontro de uns e outros, em perdas e em luto.
 Encontros vitais, severamente articulados a desencontros tão arbitrários quanto repletos de justeza, desde o início da jornada, forçam a cada um a se constituir e a se movimentar.
A primeira relação que se estabelece entre um ser humano recém-chegado ao mundo dos humanos e os humanos é indelével como marcas desta constituição e advém da relação materna, mais especificamente, com alguém que faça essa função, aquela ou aquele que gesta a cifra de nossa experiência de corpo próprio. Esta relação produz no bebê marcas sucessivas, que constroem a base das identificações.
 Esta relação é de tal importância, pois é o que possibilita uma organização psíquica e funda o inconsciente, constituindo o sujeito a partir de umLugar.
Paulatinamente, as palavras que designam tal nova existência esculpem um contorno para o corpo, a inscrição de uma imago que viabilizará, pela inclusão própria no campo dos falantes, umLugar para o candidato a vida advir.
Para Freud (1921) “a identificação é conhecida (pela psicanálise) como a mais remota expressão emocional com outra pessoa”. Podemos dizer, então, que se trata de um laço vital para a nossa existência.
A relação com o outro nos marca desde o inicio de nossas vidas, é o que nos constitui, mas que por vezes, nos aterroriza. De inicio, se nem mesmo podemos discernir a existência de um outro... Quando esta se faz passível de ser considerada, nos coloca diante de, talvez, a mais difícil característica de nossa condição, a saber, a de ser mortal.
No momento em que nos percebemos como partícipes de uma relação, a possibilidade de que o outro nos falte se abre.
A frustração da continuidade narcísica por um lado, instala a presença do outro, mas ao mesmo tempo implica a possibilidade da perda, de que o outro falte. Ser em falta também é a condição daquele outro primordial, que nos falou e nos deu contorno.
Ao perceber isto, teremos feito todo possível para agradar a este outro, que na maior parte das vezes chamamos mãe, em satisfazê-la para obter seu amor e, assim, crer-se completo. Esta a quem completaríamos, para que nos completasse em troca, diante do imponderável limite que atinge a todos, oferta as condições que farão desta impossibilidade uma condição de ser faltante, desejante.
A busca pela completude nunca cessa e esta condição humana impinge ao sujeito que busque no mundo externo algo que o complete, lançando-o às outras relações, além daquela dada pela função materna.
A experiência da falta, embora seja uma constante, é muito mal admitida. Comunica-se com idéias de limite e morte, por mais que sejam elementos que engendram a vida... As flores...
Esta falta, insisto, inerente ao ser humano, poderá, em muitas situações, ser vivenciada como falha, gerando culpas infindáveis... É a insistência na expectativa e tentativa de ser tudo para o outro e assim obter a própria completude.
O que ocorre, então, quando o outro nos falta, por morte ou algum outro tipo de perda?
Muitos acontecimentos da vida ditam separações e ausências, que são sentidas quando há um elo afetivo de ligação.
Mas estas perdas exigem realização, trabalho anímico.
É instalado o processo de luto. O objeto não existe mais conforme mostra a realidade e o eu irá voltar toda sua energia para si, retirando-se do mundo externo.
Isto se faz às duras penas, com muito sofrimento. Ao encerrar o trabalho do luto, o eu fica livre de toda inibição, se desliga do objeto perdido e pode, então, apropriar-se das representações deste objeto, ficando com suas lembranças.
Aqui encontramos um paralelo entre os desenhos apresentados e a experiência de uma análise pessoal.  
As produções artísticas são vistas como uma via de elaboração de perdas e lutos. A arte está justamente na condição de buscar apoio em objetos e circunstâncias reais, transformando-os em fantasias, através dos afetos. Assim, somos afetados pela produção artística, pelos “efeitos emotivos que suas criações despertam” (Freud, 1908).
A vida se faz assim, um constante jogo de perdas, em que nos deparamos com a falta, por vezes de forma trágica. A cada perda somos frustrados, privados e castrados e podemos lidar com isto através da arte ou do sintoma, como se fosse uma doença.
A psicanálise pode ser incluída neste contexto humano como uma possibilidade de lidar com as perdas, frustrações, com os limites.
É uma via de elaboração de nossos lutos, através de um processo singular e único a cada um, a cada vez.
Mas Freud já havia dito, o artista já esteve lá...
Assim, sobre um cadáver, podem nascer as flores.

Ana Lúcia Barbieri - Julho 2011


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