domingo, 24 de julho de 2011

Considerações Sobre o Impossível

                                                                                                                                    Aline Fiamenghi


Existem coisas que não saem da nossa cabeça, insistem, permanecem, estão por toda a parte, em tudo que vemos, elas nos perseguem, não nos deixam em paz. Tenho a algum tempo, re-encontrado uma palavra: impossível. Dizem que o que não cessa de escrever-se é da ordem da necessidade, e acho que é isso mesmo.

Em português im é um prefixo de negação. Contudo, toda palavra que nega o sentido original parece carregar um paradoxo: falar de algo para falar do que não é. Em inglês in é um tanto genérico, cabe para muitas coisas, mas muito frequentemente significa dentro. Não é o caso de impossible... Mas em uma brincadeira de línguas encontrei o in-possível: estar no possível, ou estar na borda do que é possível.

Slavoj Žižek aponta que o Real não é impossível, como estamos a costumados a pensar, como algo que sempre escapa, mas que o impossível é Real, no sentido que ele acontece. A questão é que o Real acontece, esse é o trauma, isso que é difícil de aceitar ou suportar.

 A falta ou o excesso, o que resta do que é possível simbolizar é o Real. O Real é uma ficção. Segundo aquele autor, a impossibilidade não resulta de um obstáculo positivo, mas é puramente intrínseca: a impossibilidade é produzida como a própria condição do espaço simbólico. Esse é o supremo paradoxo do Real. Não podemos ter tudo, não porque aja algo se opondo, mas porque esse impedimento é estruturalmente intrínseco.

Aqui não posso deixar de lembrar do Anjo Exterminador de Buñuel. Ficamos o tempo todo querendo saber o que impede os personagens de sairem da casa, na expectativa que o mistério seja revelado. Mas esse algo, ou isso, como Freud postulou, que parecia ser da ordem do impedimento, foi produzindo efeitos, foi se revelando sem motivo, mas não sem sentido, ou direção: a porta “fechada”. Não havia uma explicação, mas a sensação de que algo muito real se impunha. Até que algo acontece, também sem explicação, e então cai esse impedimento, e enfim aquelas pessoas já degradadas por sua demasiada humanidade, podem sair. O Real não fica do lado de fora da porta, não é impossível.

Nada melhor do que um filme surreal para tentar falar do isso...

Um outro autor, Jacques-Allain Miller, apresenta o Real como o que cessa de ser impossível, é contingente. Fala do modo de surpresa através do qual o inconsciente se manifesta, na fantasia, no lapso, no sonho.

Pensando sobre isso, senti necessidade de  investigar isso no corpo, por meio da improvisação em dança e tão logo comecei, mais um paradoxo: não seria a dança a própria possibilidade de achar caminhos para situações impossíveis de movimento? O corpo sempre acha um caminho desconhecido, abre novas conexões, invoca outros apoios, oxigena os espaços internos. Com o tempo, todo o movimento foi dando espaço para um estado, que chamei de nheca.

Chamo de nheca um estado, que não é só corporal, é algo que plasma, que gruda, que imobiliza. No corpo aparece como a pausa, o peso, a gravidade e uma certa resistência. O peso de todos os ossos, os orgãos, os tecidos escorrendo para baixo. Sempre para baixo. O que há para além do chão?

Essa pesquisa segue e não pretende achar respostas e sim configurar um campo de experiência. Aponta uma travessia por um território nada agradável, muitas vezes insuportável. Essa experiência corporal e as ideias que a sustentam serão apresentadas no Sarau do umLugar em agosto. São todos convidados!

Nenhum comentário:

Postar um comentário