sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Transmisssão. Rede. Psicanálise - Ricardo Alvarenga

Ricardo Alvarenga Hirata, 09/12/08


TRANSMISSÃO. REDE. PSICANÁLISE.


“A psicanálise não se transmite, inventa-se.”
(Safouan, A transferência é o desejo do alienista, p.241)


A psicanálise toca o real (veritas), em tensão, atenção e tentação. Faz isso com o silêncio que é veiculado nas palavras, como inoculação, aquilo que é próprio da peste e que a natureza não permite que se volte atrás; uma vez contaminado pelo real do inaudito, tem inicio-e-fim, porque fugaz, o desalojar do recalcado. Que tanto pode ser um desembaraçamento de cadeia, que como o próprio nome diz, tem por essência um aprisionamento, uma apreensão, laços nosificados por sobreposições e amarrias de afetos. Desse modo, o embaraço se anuncia por uma pregnância, uma concepção, onde não há nada de inócuo, avesso, uma infecção. A transmissão do incomunicável passa por uma ação fecunda da palavra, porque molhada de transferência. Transmissão venérea, venérita. A realidade encontra o real no significante puro de um invento: venitum.
Assim também, como é próprio dos mortos, que dizem jaz calados, o latim se aproxima de nós com sussurros que nunca chegam. À sua maneira, também comunicam algo que precisa ser inventado para existir em vocábulo. Pode-se reduzir a palavra ao máximo a ponto de que lhe sobre somente a tinta, mas aí flexiona-se: a palavra é feita de tinta? A impressão transmite a palavra ipsis litteris, embora com isso algo se perca. O oculto do prelo se desvela na fala ou na arte, só. Daí que a fala re-inventa a tinta, pois de-cor não é de cor. Repetir não transmite, porque ininventa. Já o louco não inventa, cria. E berra a criatua à sua moda.
O que se inventa sem que nada tenha sido transmitido? Haveria na psicanálise uma dialética transmissão-invenção? No par trama-urdidura que tece a análise, a transmissão faz deslizar o carretel desse tear e a invenção fica por conta do trio, que paga sem saber o quê. Daí que a rede são duas, uma que prende e outra que estende, nenhuma entende.
Redes são pontos nodais ligados por linhas, que transmitem a força da presa para a malha, via condensações e deslocamentos. Ou cadeias des-ligadas a barras, por onde se entrescuta o sujeito. Rede é sempre plural, mas o fim é singular, lá pulsa, pisca, piscis.
Há ainda a outra, o avesso, que arranha e cola. Onde alguém disse sibila fêmea de oito patas que venera morte extática, porque palavra também entrelaça teias e ornamenta gozo acasulado, salivreira que não inventa, Capitura. O que vive de moscas, não sabe omar. Transminvento-me.

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