segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Aline Fiamenghi
agosto/2009


umLugar: Tem cousas que causam e tem gentes que causam. Em nome das parcerias….

“...uma criança no escuro, tomada de medo, tranqüiliza-se cantarolando. Ela anda, ela pára, ao sabor de sua canção. Perdida, ela se abriga como pode, ou se orienta bem ou mal com sua cançãozinha. Esta é como o esboço de um centro estável e calmo, estabilizador e calmante, no seio do caos. Pode acontecer que a criança salte ao mesmo tempo que canta, ela acelera ou diminui seu passo; mas a própria canção já é um salto: a canção salta do caos a um começo de ordem no caos, ela arrisca também deslocar-se a cada instante. Há sempre uma sonoridade no fio de Ariadne. Ou o canto de Orfeu...." (Deleuze e Guattari. Mil Platôs:capitalismo e esquizofrenia. Vol.4, pg.116)

O som do fio de Ariadne, o cortante marcar do labirinto. A coragem insiste em entrar, o heróico em matar o monstro (o outro), e a sagacidade em sair. Sem o fio, sem o rastro da entrada para saída ou da saída para entrada, não existe função nas duas primeiras tarefas. O que fazer no escuro? Arrancada de qualquer referencial de espaço ou de tempo, de lugar para ir ou para ficar; e, em relação à pré-possibilidade (ao caos), a criança canta.
A experiência impressa no corpo, no sintoma da dança em canto, na indiferenciação com o escuro é o sopro de uma possibilidade, de um rastro. O fio permite que Teseu não se perca no labirinto, que Teseu não seja o labirinto, o fio, o canto é um rastro, uma marca somática de diferenciação. Do escuro, da relação monádica e caótica com o escuro, o sopro do canto de ser outro, outro resultante da relação primeira com o caos.
O buraco negro, a vertigem, o fundo da privada, dentro de seus olhos, abismar-se.
Da hesitação à escolha da palavra. No fio sonoro, o rastro. A canção como possibilidade de inscrição, distanciamento do escuro, ao cantar não sou mais o escuro, posso cantar o medo do escuro e dançar com o escuro, com o som, que faz laço. Danço para me ausentar, tentativa de convocar algo pra além de mim. Canto para inscrever, um grunido, uma cançãozinha que reverbera no corpo tornado espaço. Eu sou e não sou escuro. Nessa fissura o devir. Devir-criança para poder cantar uma musa/música e ser (a)corda lira.

Ouvir o inaudito. A música diz sim ao que não é, ao que não tem, porque faz crer no que não ouve.
Tentativas de dizer o indizível….de ouvir o impossível… como a blue note que não existe, mas não por isso deixa de ser buscada. E ouvida? Pelo o quê? Por quem? Dizem que o coração se pudesse pensar, pararia…então, sou ali, onde não penso!
Como falar da experiência? Do que causa? Do que nos faz buscar sem saber o que? O falar está sempre atrasado.
Primeiro o impacto, no corpo. Corpo carne que paga, despedaça. Risco de morte eminente, com os ponteiros de Cronos. Esse corpo primeiro é massa, desforme, sem representação, mas é a condição de haver tudo o mais. Não cessa de não se inscrever, por isso indizível. O Isso que deve ser a dimensão do Real, ou como preferem alguns, o deserto do Real. Mas esse deserto vem de onde? Do lugar nenhum, do silêncio denso da onde não é, mas pode vir a ser, caso encontre um lugar para se viver e morrer.
É necessário morrer, para devir, para dançar.

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