terça-feira, 17 de agosto de 2010

umLugar - Sarau 14.08: O Olhar e a Obra: (des)estática

   A psicanálise e a arte não tem por hábito se estranhar, porém intriga essa relação delicada. Há muito já se pensa sobre essa condição, por vezes imbricada a ponto de alguns considerarem que o ato psicanalítico possui um tanto de expressão artística. Sendo assim, como se expressaria um psicanalista implicado na sua prática psicanalítica? Interroga-se, interpela-se, supreende-se?

  Uma imagem artística, um encontro analítico consiste num desafio, um exercício de, por assim dizer, enxergar além do que se vê, deixar –se ... no aflorar poético de cada criador. Poderíamos dizer que nesse ato se introduz uma espécie de fenda irreparável entre aquele que cria e sua obra. Por mais que tentemos “explicar”, “justificar’ um pelo outro há sempre algo que escapa pelo simples fato de que na dimensão do ato já temos que incluir o outro e seus efeitos, que a obra produz nos espectadores e analisantes, nas palavras de Marcel Duchamp – “são os espectadores que fazem a obra”. A obra tem vida própria e está além das idiossincrasias, humores e preconceitos de seus autores. Deixar-se olhar. Uma silenciosa abertura ao que não é nós e que em nós se faz dizer. Abrir brechas no discurso, fendas na imagem: instaurar novos lugares.

  Freud em o Mal Estar na Civilização ao dizer que a “Fruição da beleza dispõe de uma qualidade de sentimento tenuamente intoxicante”. Uma espécie de contaminação entre artista e espectador. André Ricardo, ao recortar o urbano, nos inunda de cheiro, cor, movimento e metaforiza a cidade em nós, ora na instabilidade do trem, ora nos corpos revelados, nesse diálogo revela sua potência. Parafraseando Lacan olhar a obra nos desperta e permite que pensemos o mundo que vivemos. Um processo de deciframento – onde “o enigma é o cúmulo do sentido”. A angústia ao evocar um olhar que se evade do olho, mostra o processo de olhar a si mesmo, logo depois de olhar o outro, de ser olhado e , então, de dar-se a ver. A pulsação se assemelha a uma montagem surrealista - uma heterogeneidade que não tem pé nem cabeça, onde o que é fundamental no nível de cada pulsão é o vaivém em que ela se estrutura. Nessa ‘dimensão outra’ da arte encontramos horizonte para um dialógo sob o olhar invisível do Outro. Olho a obra e por ela sou olhado, me tornando co-autor. Olhar a si mesmo - Olhar o outro – Ser olhado - Dar-se a ver – Diante da obra, contempla algo que outros olhos (os do artista) olharam e reconhece a existência do outro. Admira algo (que é a obra) que alguém (o artista que a fez) já viu.

  Ao fixar o olhar na obra as representações escapam, pois o que está sendo representado se torna ausência do que é, se converte em expressão subjetiva e, simultaneamente, matizes de cor, planos, linhas, são reconhecidos na subjetividade do espectador. Tudo que está diante de seus olhos, composto pelo artista, agora é reconstruído a partir de seu próprio olhar confirmando-o como um co-autor. Se o que contemplo (a obra) como parte de mim mesmo é visto por outro (artista), este outro também me olha, pois é meu o que lá está. O espectador compõe tal qual o artista, o vazio da tela diante de si sob o olhar do outro. Se, contemplo, sou um alguém (sujeito) que lança o olhar: um produto de valor comercial que obedece às leis de mercado. No divórcio entre a imagem e o sentido, a arte está livre das amarras das exigências estéticas enquanto do outro lado o espectador deriva em sua solidão.

  A função analítica nos faz falar, assim como a obra nos convoca a isso. O analista se oferce no mesmo lugar que a obra.

                                                                                                                             Claudia Vigna

                                                                                                                                     2010

Um comentário:

  1. André Ricardo ganhou mais um prêmio no dia 25 de agosto de artes visuais na 18a edição do Programa Nascente ! PARABÉNS!!

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