sábado, 21 de março de 2009

Karin de Paula
Fevereiro 2009

Psicanálise: rede clínica e proposta de transmissão

Podemos perguntar-nos em que circunstâncias, de fato, algo da experiência do inconsciente pode ser transmitido; em que condições aquilo que é da ordem do mais singular encontra o ponto capaz de passar a um outro, sem transformar-se em educação ou proposta ideológica.

Não é incomum, por uma determinação de tradição científica, Isso ser buscado no que chamamos corpo teórico de conhecimento. Cabe a nós considerar para a discussão proposta, até que ponto, este seara não seria justamente aquele que não admite o inconsciente e por isso mesmo, paradoxalmente, nos convoca a criar o campo e as condições para a sustentação de Um Lugar para a admissão e o cultivo da relação com Isso.

Nessa perspectiva, cabe seguirmos as pistas deixadas por Freud. Mas como fazê-lo sem incorrer na esparrela ecolálica de imitá-lo pela via dos enunciados? Do Freud explica e eu entendo? Como se o que está para ser transmitido pudesse se passar pela mais pacífica apreensão e domínio de um conhecimento dado, ainda que seja por Freud?

Como num Witz, o que está em causa, o que se busca transmitir, não é idêntico ao seu enunciado, que apenas serve de veículo que transporta algo bem menos formatado, mais interrogante, menos pacífico, mais explosivo e inapreensível.

Isso se dá no ato de enunciar, ao vivo e a cores, necessariamente; e ainda, num ato de enunciação que implica quem quer que o esteja produzindo. Quem conta uma piada sabe que é preciso estar implicado e implicar um outro em algo que não está no enunciado, mas em Outro lugar. É preciso saber contar uma piada para que ela passe o que não está lá passível de plena positivação!

Num certo sentido, a relação de alguém com o inconsciente tem início quando pode-se admitir que tem algo em si próprio, que vigora em sua vida, mas que, justamente, não consegue explicar nem entender. Há aí algumas possibilidades. Uma delas seria ir buscar algum conhecimento que possa explicar Isso e reacomodar as coisas. Este caminho está fadado a trocar seis por meia dúzia, já que, só pode trocar um enunciado por outro, sem dar lugar para o que possa estar tentando passar através do enunciado, sem nada querer saber dIsso. Aqui encontramos os cursos de psicologia, as teorias espiritualistas, as psicoterapias, os florais e, muitas vezes, a aplicação da teoria freudiana.

Outra possibilidade é ir falar dIsso com um outro que possa reconhecer que o que está lá, incomodando, que é próprio e estranho ao mesmo tempo, não cabe numa boa explicação, que, aliás, sempre há para tudo e qualquer coisa.

É admissível que este outro possa ser dito um psicanalista e que nesse encontro, seja viabilizado, então, ser dado Um Lugar para que Isso passe adiante, seja incluído num laço com um outro e, assim, transmitir-se num campo onde seja possível construir-se um saber-fazer-com-Isso, que não seja tentar calá-lo.

A rede de psicanálise é uma oferta desse lugar, de Um Lugar para Isso e, para tal, “há de haver” analista e não boas teorias e boas explicações. Essas vêm depois, do ponto de vista lógico, para
que cada um, assim como Freud o fez, encontre condições de inscrever sua prática e relação com Isso, entre outros analistas.

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